“Mais vale cumprir o próprio dharma, ainda que de forma imperfeita, do que cumprir de maneira perfeita o dever de outrem.”— Bhagavad Gita (cap III, v.35)
Não veja esses escritos como regra a seguir. São apenas pensamentos que compartilho que hoje são assim, mas amanhã posso mudar. À medida que aprendo e vou me descobrindo permito-me abandonar ou reciclar meus pontos de vista.
Estava buscando uma frase para a introdução desse artigo e essa do Bhagavad Gita foi a que mais me tocou. Mesmo mergulhada em tantas imperfeições, sigo feliz por compartilhar mais esse trabalho. Tudo o que está escrito aqui serve primeiro para mim. Estou em transformação, em constante desconstrução a partir das permissões que me concedo para uma nova forma de pensar e agir. Ninguém consegue mudar ninguém, pois esse processo é de dentro para fora e cada um tem o seu tempo, mas podemos ser catalisadores, ajudar o outro, se houver abertura para isso. E é isto que estou tentando fazer através desse trabalho: cumprir meu dharma, ou pelo menos aquilo que penso ser o meu dharma, mas o que posso dizer é que brota do meu coração, do mais profundo do meu ser. Sinto uma felicidade muito grande em dedicar meu tempo a isso.
Minha construção se faz também pela construção de outros seres. E nesse encontro de pessoas comuns com dilemas comuns, compreendo o quanto se faz necessário estar em sintonia com algo maior, pois nossa vida é cercada por estresse, amargura e tantas outras emoções que tornam o dia a dia tão desgastado, sofrido e cheios de incertezas. Somos tão frágeis e cada vez que encontro o outro imerso em sua dor, de coração aberto me coloco à disposição para ajudar. E nem sequer preciso dizer uma só palavra, apenas ouço. Acolho o outro e nesse momento brota a compaixão. É interessante como a dor do semelhante é um espelho onde me enxergo e me aceito e isso abre espaço de incluir e amparar o outro com suas imperfeições. E, cada um de nós, em nosso espaço virtuoso, damos vida ao universo.
Somos convidados a todo momento a olhar para a vida e os acontecimentos de forma diferente, mas insistimos no velho disco riscado que mantém nossa mente e coração sintonizados com as arranhaduras do solo pisado e perdemos a oportunidade de sentir a nossa luz. Há tantos embotamentos que, na tentativa de conseguir momentos de felicidades, muitos se agarram a realidades fugazes e efêmeras para preencher o espaço vazio da alma que é entorpecido por um tempo apenas.
Conexão
Nos momentos das pequenas e grandes crises nos pegamos tentando uma conexão com Deus, Fonte, Energia Cósmica, não importa o nome, importa o que sente. E por breves momentos podemos sentir uma força maior que não sabemos definir. Mas logo voltamos ao estado de separação do Todo, pois fomos condicionados a buscar a “salvação” fora de nós. Mas, esses momentos ficam registrados e ao examinarmos a vida e prestarmos atenção à sua magnificência, sentimos e reconhecemos uma realidade única no universo: estamos envolvidos pela Energia Divina, Presença, Deus, Poder, que nos nutre, que é energia dinâmica está em todo o universo. Na nossa existência podemos deixar essa energia se manifestar de forma vigorosa, espiritual. Somos expressão dessa força, dessa Presença.
Tudo no universo é uma parte da unicidade. No universo não há separação ou fragmentação. Estamos imersos nessa natureza universal e infinita, ativa na experiência de cada ser humano. O Grande Espírito se move através de sua criação, é um princípio positivo e construtivo, se movendo em todos os sentidos, em todas as áreas, desde a ação inconsciente e automática da vida simples dos animais até o nível de consciência mais complexo do ser humano.
Somos, em nossa totalidade, um ser infinito, mas precisamos reorganizar nossos pensamentos sobre o que somos, aceitar nossa essência e aproveitar a Fonte Ilimitada da energia criativa que flui através de nós. Recorro às palavras do médico e escritor budista Ênio Burgos para ampliar o que estou explicando:
[…] Em outras palavras, quanto mais o homem tenta polir as grossas e potentes lentes da ciência, mais nitidamente surge o espectro do seu próprio rosto refletido, como se estivesse diante de um espelho. Mas, infelizmente, nem assim ele se reconhece ou vê […]
Sem conseguir encontrar-se, autodesvendar-se, a obsessiva e contínua investigação, ocupação e manipulação exterior tornam o homem refém das formas e aparências. Paulatina e insidiosamente, ele se prende, se algema às sensações experimentadas através dos sentidos, enquanto estabelece contato externo-interno.
Em contrapartida, este mesmo mergulho contumaz no imediatismo vai deixando-o cego, impermeável, refratário ao que é sutil e não imediato. Distraído, obcecado e seduzido por tantos objetos, o homem se deixa capturar e prender pelo seu próprio fascínio com o brilho sedutor das aparências. Confuso, ele passa a crer e emprestar foro de realidade concreta às coisas e fenômenos, tomando o falso por verdadeiro, a aparência por essência. A seguir, com a visão ofuscada, obscurecida e distorcida, finalmente, ele inverte o mundo.
Então, apegando-se às pedras mais reluzentes que encontra aqui e ali, ele enche seus bolsos, perdendo o desprendimento e leveza. Sobretudo, a cada passo seu, o andarilho recolhe e acumula profundas marcas na mente, pois, ainda que não perceba, ou não esteja consciente desse processo, a verdadeira viagem acontece mesmo é no seu interior.
No meu, no seu interior está a solução para as nossas mazelas. Não é fora que vamos encontrar as respostas para o que precisamos. Tudo está dentro. Considerando as sucessivas encarnações, somos espíritos em evolução buscando a totalidade, a volta para a Fonte da qual nos separamos. Nossa experiência é fragmentada e separada, mas em essência somos uma totalidade, muito maior do que aquilo que percebemos. Os vários caminhos que tomamos na vida focalizam níveis diferentes de consciência, partes diferentes da totalidade.
Sei que é difícil aceitar a ideia de que tudo está dentro, pois existe uma limitação na nossa mente dualista de que somos ou isto ou aquilo. Rotulamos a nós mesmos e aos outros para tentar obter respostas sobre nós com a finalidade de manter nossa identidade segura e fixa. Nossa consciência é reduzida para a dimensão dos limites de cada um. O ser humano é ignorante quanto a sua própria essência e natureza, vivendo o tempo todo na ilusão e na escuridão. Todos os caminhos que uma pessoa toma na vida, é mais uma tentativa de responder à pergunta: quem sou eu?
Reflexão
Quem é você?
Não me refiro ao que você se identifica: nome, profissão, etc, mas o que é de verdade!